quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

A Essência Tática (e / ou Complexa?) do Jogo de Futebol

“É sabido que a água (H2O) é um meio essencial para

apagar o fogo, no entanto, se separarmos as suas

componentes, hidrogênio e oxigênio, qualquer uma destas

ao invés de apagar o fogo, incandesce-o ainda mais.”

(Karl Popper)

Muito se tem discutido no meio do futebol sobre metodologias de treino, principalmente no meio acadêmico (é sabido o distanciamento que este tem dos profissionais que vão a campo com suas equipes diariamente por motivos que não cabem aqui neste texto), na busca de aprimoramento dos métodos e neste momento transcendendo-se um pouco (até agora um pouco, mas com possibilidade de se tornar algo grandioso) e vislumbrando uma possível ruptura paradigmática. Novas propostas de estruturação do treinamento de futebol como a Periodização Tática construída pelo professor Vitor Frade da Universidade do Porto e apresentada para seus alunos há cerca de trinta anos vem contribuindo muito para essa contestação ao treinamento analítico, fragmentado e fez emergir um novo paradigma, o da Complexidade. Essa Teoria (a da Complexidade) tendo como um de seus expoentes o francês Edgar Morin propõe a integração, a interação, a relação entre ordem e desordem para uma reconstrução do conhecimento e para uma (re)organização num nível superior ao anterior.

Devido ao sucesso de José Mourinho (primeiro e até o momento o único treinador de Top adepto assumido da Periodização Tática) muitos aderiram ao método, porém sem o mesmo sucesso. Por colocarem a dominante tática como norteadora do processo, muitos incorreram no mesmo equívoco do paradigma cartesiano, fragmentaram o treino de outra forma negando as outras dominantes (técnica, física e mental) em maior ou menor grau para cada uma delas. Para Júlio Garganta (1997) “a dimensão tática ocupa o núcleo da estrutura de rendimento no futebol, pelo que a função principal dos demais fatores, sejam eles de natureza técnica, física ou psíquica, é a de cooperar no sentido de facultarem o acesso a desempenhos táticos de nível cada vez mais elevado”. Nesta frase do autor fica clara a interdependência entre as dominantes, atentando para o fato de que no processo de treinamento a equipe tenha como objetivo central atingir picos de "Performance de Jogo" e não simplesmente picos relacionados à dominante tática. Colocar a dominante tática como balizadora do processo ao invés da dominante física é um avanço no sentido de proporcionar um caráter mais específico, mas não se configura em mudança de paradigma (do cartesiano à complexidade) se não forem criados exercícios que correspondam a fractais do jogo para que todas as dominantes presentes no jogo se manifestem em simultâneo, de forma integrada e interada. Claro que esses exercícios estarão dentro de um projeto maior, pedagógico, com construção, desconstrução e reconstrução de comportamentos, evoluindo num espiral contínuo que tem o jogar que se pretende como modelo. Mini-jogos e jogos-reduzidos não são Periodização Tática, pois são propostos de forma aleatória e sem manter relação entre os conteúdos anteriores e posteriores ao longo de um espaço temporal e também por, na maioria das vezes, não estarem relacionados com a forma de jogar da equipe.

Faz-se necessário aos profissionais que trabalhem sob essa nova perspectiva considerarem todas as variáveis, aprofundarem-se no conceito de complexidade para que suas equipes não paguem com derrotas seus erros metodológicos. Cabe lembrar que o método tradicional está em um estágio multidisciplinar (talvez poucos no estágio interdisciplinar) e bem ou mal, se de forma adequada ou não acaba-se treinando técnica e tática (com o treinador), capacidades físicas (com o preparador físico) e psicológicas (com o profissional dessa área que está presente em muitos dos clubes atualmente), portanto o mérito estará em um trabalho transdisciplinar que não negue nenhuma das dominantes, e essa negação tem ocorrido com a dominante física pela “necessidade” de se mostrar que o trabalho sob esses conceitos é diferente. Será que o grande diferencial em relação ao trabalho de campo de José Mourinho não seja fazer com que suas equipes apresentem uma alta "Intensidade de Jogo" ao invés de uma alta "Intensidade Tática", como ele próprio denomina? Cuidados são necessários para que conceitos não sejam confundidos e atrasem novos modelos de se trabalhar com o futebol de Formação, de Alto Rendimento e de Rendimento Superior.

Referências Bibliográficas

Garganta, J. (1997) Modelação táctica do jogo de Futebol. Tese de Doutorado. Universidade do Porto.

Leandro Zago - CIEFuT


sábado, 22 de novembro de 2008

O respeito à Lógica do Jogo e a Hierarquização de Princípios

Ao iniciar a construção de um Modelo de Jogo (MJ), o treinador de futebol deve ter claro quais são todos os elementos que farão parte do mesmo. Quase que simultaneamente, ele deve ordenar esses elementos em ordem de importância, ou seja, criar uma estrutura hierárquica. Porque tão importante quanto a quantidade de variáveis e, conseqüentemente de possibilidades que um MJ contém, é a forma organizada (podemos dizer também ordenada) com que essas variáveis se manifestam. Para exemplificar, podemos imaginar uma equipe que entende o movimento coletivo necessário para realizar pressão na linha 5 (pressão em bloco alto), porém seus atletas não tem muito bem definidos quais os referenciais que ativarão essa busca pela bola (se um passe para trás ou a bola em determinada zona do campo) fazendo com que a equipe fique em estado de “confusão organizacional”, com os atletas tomando decisões que não respeitem à mesma orientação, aumentando a possibilidade do adversário livrar-se dessa situação pelos espaços gerados.

O neurocientista Antônio Damásio, em seu livro “O Erro de Descartes” (1994) propõe alguns conceitos interessantes para essa discussão. Concebendo a razão como sendo baseada na seleção automatizada, ele nos dá a seguinte solução:

1) se a ordem tiver de ser criada entre as possibilidades disponíveis, nesse caso elas terão que ser ordenadas;

2) se tiverem que ser ordenadas, então são necessários critérios;

3) os critérios são fornecidos pelos marcadores-somáticos, que exprimem, a qualquer momento, as preferências cumulativas que recebemos adquirimos.

Portanto, tendo várias possibilidades elas tem que ser ordenadas, para isso são necessários critérios que são fornecidos pelos marcadores-somáticos, entendido? Até certo ponto sim, mas o que me define os critérios que servirão de base para essa ordenação? O primeiro e essencial critério é colocar a LÓGICA DO JOGO como epicentro do processo de treino. Em nenhum momento pode-se subestimar a lógica do jogo como balizadora da construção do MJ. Como podemos acompanhar na figura abaixo, temos os Princípios Estruturais e os Princípios Operacionais se correlacionando, porém sempre num nível subjacente à lógica do jogo devido as importantes funções que eles têm como ferramentas para cumpri-la da maneira mais eficaz possível.




Figura 1 – Nível primário de Hierarquia para construção do Modelo de Jogo

Para Amieiro (2005), ao se referir à organização defensiva, pensa que o todo, as relações a privilegiar entre as partes que o constituem (os jogadores), e as tarefas a realizar por cada uma delas isoladamente, serão diversos em sua manifestação, de acordo com as referências que se consideram e a respectiva hierarquização (estabelecimento de prioridades). Nesse trecho do referido autor, vemos claramente uma referência à necessidade de ordenação de princípios na estruturação do processo defensivo e como só assim é possível que um grupo de jogadores atue como uma equipe, com interdependência e inter-relação no jogar. Também pode-se interpretar que o autor está referindo-se à hierarquia no nível apenas dos Princípios Estruturais e Operacionais e a relação entre os dois, não considerando a relação de ambos com a o cumprimento da lógica do jogo.

Para estruturar a hierarquia é necessário estabelecer critérios, prioridades, que serão definidos a partir do conhecimento que o treinador tem sobre o jogo, o que ele considera fundamental sua equipe realizar para vencer partidas. Jamais será garantia de vitória ter melhor amplitude ou bascular de forma mais equilibrada que o adversário, porque os princípios só ganham significado quando estão a serviço do cumprimento eficaz da LÓGICA DO JOGO. Nela se encontram as explicações para as vitórias e as derrotas e o profissional do futebol que compreendê-la integralmente, provavelmente não mais perderá partidas (até que um segundo profissional realize o mesmo).

Referências Bibliográficas

Amieiro, N. (2005) Defesa à Zona no Futebol: Um pretexto para refletir sobre o jogar ... bem, ganhando! Edição do Autor. 2005.

Damásio, A. (1994) O Erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras. 1996.


Leandro Zago - CIEFuT

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O jogo dos sete ... erros ou anões ? O que o time(?) de Dunga tem a ensinar

Pela terceira rodada consecutiva jogando em casa, a Seleção Brasileira de futebol empatou em zero a zero e, excluindo-se o jogo contra a Argentina pode-se considerar que o Brasil deixou de somar quatro pontos nas partidas contra Bolívia e Colômbia que o colocariam muito próximo ao Paraguai, líder das Eliminatórias Sul-americanas. Tão preocupante quanto os pontos perdidos é a maneira anárquica com que a Seleção se apresenta nos jogos, com um modelo de jogo pouco elaborado e mesmo assim confuso na aplicação de princípios individuais e coletivos às situações que o adversário proporciona. Nos sete tópicos a seguir, estão algumas observações sobre os conceitos que o Brasil demonstra no seu jogo, nas falas dos atletas e nas tomadas de decisão do seu treinador.

1. Princípios Operacionais de Defesa (POD)

A Colômbia jogou na plataforma 1-4-4-2 com “duas linhas de 4” bem definidas e utilizou como POD impedir a progressão do adversário. Ela só mudava o POD quando o Brasil passava da intermediária ofensiva e a equipe colombiana buscava recuperar a bola. O Brasil utilizou como POD impedir a progressão até a linha 3 (meio – campo) e recuperar a bola quando o adversário entrava em seu campo. Nesse tópico começam a surgir os problemas para a Seleção, pois devido sua disposição em campo (veremos a seguir) não conseguia circular a bola quando em posse da mesma, perdendo-a rapidamente e, quando sem bola, optou por um princípio operacional inadequado porque quando a posse era colombiana, seus zagueiros realizavam passes laterais sem a menor pretensão em progredir no campo de jogo. Ao tentar adiantar a marcação, o Brasil desorganizava-se e a Colômbia o atacava com espaços.

2. Estruturação do espaço de jogo

Devido ao POD da Colômbia, em muitos momentos fazia-se necessária a circulação da bola pela equipe brasileira. O trabalho dos jogadores colombianos foi bem facilitado pela péssima estruturação espacial que o Brasil apresentava quando em posse da bola. A disposição pelo gramado dos jogadores brasileiros não dava conta de criar linhas de passe em bom número ao portador da bola (triângulos, losangos e diagonais) e nem aproveitava todo o espaço possível cumprindo alguns princípios estruturais de ataque como amplitude e profundidade, por exemplo.

3. Velocidade de(o) jogo

Sem algo desenhado sob o ponto de vista estrutural e espacial (estruturas fixas e móveis) e enfrentando uma equipe que desacelera o jogo através da sua estratégia adotada fica complicado aumentar a velocidade de passe-domínio-passe para que a circulação fique mais dinâmica. Para completar, Dunga deu declarações justificando a falta de velocidade ao cansaço dos jogadores Kaká e Robinho (que teoricamente seriam os responsáveis por proporcionar essa característica à equipe) como se o padrão coletivo não tivesse interferência nesse quesito.

4. Entrevistas de Kaká e Lúcio no intervalo

Ao final do primeiro tempo os jogadores Lúcio e Kaká deram entrevistas em que usaram palavras diferentes, mas falaram sobre aumentar a velocidade do jogo. Lúcio falou mais especificamente sobre ter que jogar em maior velocidade e Kaká sobre passar a bola de forma mais rápida. Os jogadores parecem compreender o que ocorre na partida, mas as soluções que escolhem não atendem às necessidades.

5. Saída de bola, chutões e segundas bolas

Outra conseqüência do princípio operacional proposto pela Colômbia foi a dificuldade que a Seleção tinha na saída de bola. A linha defensiva brasileira rodava a bola sem progressão, e sem velocidade, não criando espaços e nem sendo ajudada pela movimentação dos jogadores à frente da linha da bola. Como resultado, a tentativa de realizar ligação direta, através de passes longos, altos e verticais. Com a defesa colombiana recebendo esses passes de frente e com a superioridade numérica em seu campo de defesa (8 + 1 X 3 e 8 + 1 X 4 na maioria da vezes) as “segundas bolas” na maioria das vezes eram da equipe visitante.

6. Robinho e a leitura do jogo

Jogando contra uma equipe que coloca rapidamente nove jogadores (oito + goleiro) em seu campo de defesa, parece claro que sempre que for possível deve-se contra – atacar com velocidade, mudar de zonas do campo (tanto em horizontalidade como em verticalidade) para que o ataque termine rapidamente antes da recomposição adversária. Robinho, sempre que teve a oportunidade optou pela condução, mas antes de qualquer crítica individual, deve-se observar que não foram criadas linhas de passe interessantes para que a melhor decisão fosse tomada.

7. Entrada do Mancini e saída do Robinho

Ao colocar o ala Mancini, houve uma tentativa de um 1-4-2-1-3 com Robinho e Mancini abertos e Kaká nas costas do Jô. Em seguida, Robinho de machucou, entrou Alexandre Pato e Jô veio jogar aberto e longe do gol pelo lado esquerdo. Para jogar com três atacantes é necessária uma familiarização com essa plataforma para que suas dinâmicas sejam bem aplicadas, caso contrário há uma inferioridade numérica em zonas importantes do campo.

Sem considerar a falta de coordenação das transições brasileiras e outros detalhes como a mudança constante de plataforma de jogo, não observa-se que a comissão técnica da Seleção tenha claro algumas coisas que foram abordadas nesse artigo. É sempre um processo de aprendizagem assistir aos jogos da Seleção Brasileira, principalmente para aqueles que, com uma visão crítica, estão construindo um saber sobre o jogo. E para esses, aprender coisas novas é algo contínuo que nunca terminará, enquanto para outros o que está estabelecido é uma verdade suficiente para dar-lhes respostas, independente se são sempre as mesmas, afinal no futebol tudo que tinha para ser criado está aí, o resto é invenção. Você acredita nisso?


Leandro Zago

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Vitórias dos mandantes: coincidência?







No texto entre aspas que vem a seguir, está a resposta que dei ao ser consultado pelo site Cidade do Futebol sobre a supremacia dos times mandantes nos campeonatos de futebol pelo mundo. Abaixo a pauta e em seguida a resposta.


Cidade do Futebol - O Mourinho deve completar 100 partidas sem perder em casa por competições nacionais nesta quarta. Já o Felipão levou o Chelsea a 86 jogos de invencibilidade no estádio deles.

No Campeonato Brasileiro, o time que mais venceu fora de casa foi o Grêmio, com cinco resultados positivos.

A questão é: por que os times têm tanta dificuldade para jogar fora de casa e como alguns conseguem transformar suas casas em arma?

Você poderia comentar um pouco sobre isso, em termos táticos e de disposição da plataforma de jogo?


"Muito se atribui a vantagem de jogar em casa a fatores como o apoio do torcedor, pressão emocional sofrida pelo adversário, melhor adaptação ao tipo de gramado e alguns outros motivos clássicos na explicação de torcedores e jornalistas. Temos ainda as viagens (muitas vezes longas) como motivo para derrotas em campo adversário.

Caminhando pela dominante tática temos a estruturação do espaço de jogo como uma variável importante na eficácia de um time. Ao jogar em casa, a equipe possui maior vivência naquele campo de jogo em relação ao adversário por jogar freqüentemente e muitas vezes realizar treinamentos (principalmente quando a equipe não possui um centro de treinamento) no estádio. Conseqüentemente tem uma probabilidade maior de equilibrar-se espacialmente no gramado conseguindo cumprir um importante princípio relacionado ao êxito no futebol. Ainda nessa direção, jogando em casa, a equipe tem maior facilidade em criar referências visuais para ativar determinados comportamentos, como, por exemplo, definir o início de um aumento na intensidade para recuperar a bola do adversário a partir de uma placa de publicidade, ou de uma divisão dos setores da arquibancada. Treinadores famosos já se utilizaram dessa estratégia e para citar apenas um temos Telê Santana, bi-campeão mundial interclubes com o São Paulo.

Mas seria irresponsabilidade atribuir a apenas componentes táticas essa vantagem dos mandantes, pois equipes que jogam perante sua torcida muitas vezes adotam uma estratégia mais ousada, o que não fazem longe de seus domínios. É fato a vantagem dos times mandantes e pesquisadores pelo mundo todo coletam dados e encontram resultados muito próximos independente do país ou divisão estudada.”


Confira a coluna completa no site Cidade do Futebol



Leandro Zago

sábado, 20 de setembro de 2008

Jogar em Ação e Jogar em Reação








“quem marca ao homem corre por onde o rival quer.
Essa caçada tem por fim capturar um inimigo, mas o meio usado converte o marcador em prisioneiro”

(Valdano, 2002)



Durante uma partida de futebol, as duas equipes passam todo o tempo apresentando comportamentos em função dos acontecimentos do jogo. Dependendo do nível da competição e do quão preparadas estão as equipes essas ações podem ser mais coletivas ou menos coletivas, mais planejadas ou menos planejadas, mais em resposta às atitudes do adversário ou menos em resposta às atitudes do adversário. Diante desse cenário temos ao longo da partida uma oscilação do domínio das ações do jogo por parte desta ou daquela equipe, podendo ocorrer de forma até certo ponto equilibrada ou não, com uma equipe tendo domínio sobre grande parte das ações construídas no jogo. Esse talvez seja um dos maiores dilemas do treinador, buscar as explicações para os dois momentos (como dominador e dominado) para melhor compreensão da sua equipe e para poder interferir de forma assertiva no processo de treino, no relacionamento com os atletas e nas substituições e alterações táticas que realiza durante as partidas.

Para que uma equipe consiga dominar o seu adversário, ela precisa naquele período de domínio (sejam trechos dentro de uma partida ou a partida toda) ter um controle sobre um maior número de variáveis que influenciem no resultado da partida do que seu rival. E aí inclui-se a estruturação do espaço de jogo, princípios de ataque e defesa, timings de transição e outras inúmeras variáveis.

Jogar em ação seria, portanto, ter a iniciativa sobre as ações do jogo, fazer com que a equipe realize comportamentos coletivos muito bem coordenados que o adversário tenha grande dificuldade em interferir, ou por não estar habituado a confrontar-se com determinada situação, ou pela qualidade com que a equipe dominadora a executa. Para isso é necessário assumir a partida, ter a bola, ter estruturas de circulação da mesma, boa amplitude, profundidade ofensiva e transições que permitam recuperar a bola o mais rápido possível quando for perdida. Outra opção para jogar em ação é optar pelo controle da partida, com o domínio das variáreis porém sem a necessidade absoluta de ter a bola (pode-se ter o controle com a bola também), preocupando-se em gerir os espaços do campo.

A frase de Valdano no início do texto exprime uma incoerência que algumas (senão muitas) equipes apresentar no seu jogar. Ao se preocupar em anular adversários, essas equipes acabam por esquecer (ou não priorizar) algo que é fundamental: jogar futebol para ganhar jogos. Acompanhar o jogador adversário pelo espaço que ele se desloca, faz com que o marcador sempre “reaja” às movimentações adversárias, portanto, a equipe que está sem bola joga em reação. E jogando em reação permitem ao adversário o controle sobre a partida. Tendo o controle sobre a partida aumentam as chances do meu adversário procurar por um jogo que lhe seja habitual e que faz melhor. O marcador-prisioneiro deve ao fato de este não poder se preocupar em cumprir princípios de jogo que não sejam a referência ao adversário direto, podendo-o levar para espaços do campo que não lhe sejam favoráveis.

Construir uma forma de jogar que seja ativa exige um trabalho mais elaborado do que um jogar reativo, mas considerando todo o lado estratégico do futebol, não pode-se desconsiderar o jogar em reação como uma alternativa para o confronto com determinadas características dos adversários.

Referências Bibliográficas

Valdano, J. (2002) El miedo escénico y otras hierbas. Aguilar. Madrid.

Leandro Zago - CIEFuT

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Qual a melhor plataforma de jogo?

Nessa semana fui questionado por um amigo de um grande site de futebol sobre a declaração de um treinador brasileiro em que este dizia ser o 1-3-5-2 um “esquema” (palavra do treinador) mais fácil de jogar. Segue a resposta que encaminhei a esse amigo:

“Ainda não há um consenso entre os profissionais do futebol quanto à plataforma de jogo (e por plataforma entenda a distribuição numérica entre os setores - 1-4-4-2, 1-3-5-2, 1-4-3-3, etc. - sem considerar a dinâmica adotada pela equipe) mais eficiente independentemente da situação encontrada pelo treinador. O português José Mourinho utiliza o 1-4-3-3 no início do seu trabalho com as equipes que trabalha (foi assim no Porto, no Chelsea e em seu primeiro jogo oficial pela Inter de Milão também jogou nessa plataforma). Ele acredita que a distribuição equilibrada por setores do campo dos atletas que o 1-4-3-3 permite, acelera o processo da construção de uma forma de jogar coletiva que seja competitiva. Isso acontece pela assimilação mais rápida por parte dos atletas quanto aos objetivos traçados.
Muito comum no Brasil, o 1-3-5-2 é menos utilizado pelas equipes fora do nosso país (vemos ainda equipes italianas médias e pequenas jogando nessa plataforma), pois nesse momento as plataformas com 4 jogadores na linha defensiva são as preferidas pelos treinadores estrangeiros.
Essas diferentes opções são resultado de conceitos diferentes sobre o jogo. Treinadores brasileiros usam em sua maioria a marcação mista (o jogador marca o adversário que jogar dentro da sua área de atuação, a referência da marcação é o adversário) enquanto os europeus (principalmente) optam por jogar marcando por zona (tendo como referência a bola e o espaço).
Portanto preferir o 1-3-5-2 jogando no Brasil faz todo o sentido, pois as equipes jogam normalmente com dois atacantes facilitando o encaixe no adversário (3 zagueiros para 2 atacantes, ala bate com lateral adversário, volante marca meia, meia marca volante e atacantes marcam zagueiros). E jogar nas plataformas 1-4-3-3, 1-4-4-2, 1-4-5-1 (com todas as variações de distribuição de atletas que essas plataformas permitem) sempre com linha defensiva de 4 jogadores na Europa, onde se marca preferencialmente por zona também se justifica, porque atende a outras necessidades do jogo como por exemplo de se ocupar melhor toda a largura do campo.
Concluindo, a opção por esta ou aquela plataforma depende da filosofia de trabalho do treinador, dos conceitos que este tem sobre o jogo e da característica do grupo de atletas.
Não há evidências científicas comprovadas por pesquisas que existe efetivamente uma plataforma mais vencedora que outra. E ter sua assimilação mais facilitada não é suficiente para que uma plataforma se justifique, ela precisa apresentar resultados práticos, que nesse momento parece ter mais relação com a sistematização de um sem número de dinâmicas dentro dela.”


Confira a coluna completa no site Cidade do Futebol


Leandro Zago

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Coluna no site “Futebol Interior”

No dia 15/08/2008, o colunista Vitor Calça Pereira escreveu a seguinte crônica. Agradeço aqui publicamente pelas palavras (já o fiz pessoalmente) e espero poder continuar atendendo as expectativas das pessoas que acompanham o Futebol Tático. Segue o texto abaixo:

Treinadores do futuro - dois nomes

Um amigo brasileiro á muito radicado em Portugal e fiel leitor das minhas crónicas do “ Futebol Interior “ tinha lançado o desafio há já algum tempo: “ fale aí dos técnicos do Brasil, o que eles sofrem com o assédio dos clubes europeus aos seus atletas em pleno campeonato ” .

Sobre a acção devasta que os clubes europeus ( e não só ) fazem ao desfalcar o elenco de um grupo de trabalho de um técnico de um time brasileiro já eu escrevi há algum tempo.

Tento dar o merecido destaque ao excelente trabalho que os treinadores brasileiros executam nos diversos campeonatos da Europa. Este ano estou especialmente atento á carreira de Ricardo Gomes ao leme do Mónaco em França.

É claro que temos Luiz Filipe Scolari no Chelsea, falta definir a situação de Zico. Quem mais ? Casemiro Mior no Belenenses e Lori Sandri que substitui o compatriota Sebastião Lazaroni no comando do Marítimo da Madeira.

Mas estes são nomes conhecidos por quase todos nós. Scolari será sempre um nome falado para um grande time da Europa ou Brasil.

Mas se tiver em causa o futuro, a evolução do atleta ,e conseqüentemente do jogo, se por hipótese um dirigente mais iluminado e á frente no seu tempo resolver apostar a longo prazo ( se isso existe em Futebol ) qual o nome que escolheria para o meu clube?

Destaco dois nomes de jovens técnicos brasileiros, dos quais tento ler tudo o que escrevem, e as suas reflexões são sobretudo sobre as suas ideias de Futebol.

Sempre que leio o que Leandro Zago e Rodrigo Leitão pensam sobre o jogo, aprendo um pouco mais sobre complexo jogo que é o futebol.

Leiam em “www.futeboltatico.com” e “www.cidadedofutebol.com.br” e confirmem que não me engano. É devido á sua qualidade que acredito sem receios que o futebol vai continuar a crescer.


Saudações e um Abraço Lusitano

Clique aqui e confira a coluna no Futebol Interior


Leandro Zago

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

O Sistema de Transições no Futebol

“Temos ainda que caminhar bastante no entendimento, na

sistematização dessas coisas, no sentido de perceber as suas

conexões e de entender o Jogo como um fluxo contínuo.”

(Júlio Garganta)

Pertencente ao grupo dos Jogos Desportivos Coletivos (JDC), o futebol tem na sua essência quatro momentos que estão presentes em qualquer partida que seja disputada e que independem do nível, local ou idade dos praticantes (desde níveis de formação até jogadores profissionais) envolvidos: defesa, transição defesa - ataque, ataque e transição ataque – defesa. A natureza complexa e não linear do jogo não permite que seja prevista a ordem em que esses quatro momentos irão ocorrer, fazendo com que cada partida possua uma linha de progressão única que vai se desenhando de acordo com as respostas coletivas das equipes e individuais dos jogadores aos estímulos do jogo. Essa afirmação vem ao encontro do que escreveu o professor Vítor Frade (2002), “não há nada mais construído que o jogar. O jogar não é um fenômeno natural, mas construído”.

Ou seja, se o jogo vai sendo construído, e os dois momentos de transição são inerentes a ele, temos a possibilidade de preparar nossa equipe durante o processo de treinamento para realizá-las da forma como considerarmos mais adequado. Para Amieiro (2005) “treinar é fabricar o jogar que se pretende”. E para se treinar as transições defensivas e ofensivas são necessários princípios de jogo bem estabelecidos. Quando recupera a bola, a equipe deve saber se é o momento de contra atacar, tirar simplesmente a bola da zona depressão ou alternar entre ambos de acordo com o comportamento do adversário. Ao perder a bola, deve-se definir referências para pressionar o portador da bola rapidamente, reorganizar-se em linhas mais recuadas ou coordenar as duas respostas numa análise rápida da situação que o jogo está propondo.

Treinadores portugueses como José Mourinho e Jesualdo Ferreira concebem os momentos de transição como fundamentais dentro do jogo de futebol. Jesualdo considera que “as equipas terríveis (utiliza terrível para caracterizar equipes difíceis de se enfrentar) são aquelas que diminuem o tempo entre o ganhar a bola e atacar e entre o perder a bola e defender”. Vítor Frade (2002) afirma que para uma equipe atacar com muitos jogadores sem tornar-se desequilibrada deve “dar particular atenção aos timings de transição”. Nota-se nas falas de Jesualdo e Vítor Frade uma preocupação com o tempo no sentido de duração do momento transitório. Assim, na tarefa transição, observa-se o como fazer nos princípios anteriormente citados e o quando fazer (entre o atacar e o defender e vice-versa) da forma mais rápida (e para isso faz-se necessário coordenação coletiva) possível.

Construir uma forma de jogar que seja condizente com as necessidades de se ganhar um jogo atuando de uma forma atrativa – porque para ser eficiente uma equipe não precisa abrir mão de jogar bonito, muito pelo contrário – passa pela sistematização de um processo de treinamento que contemple os quatro momentos do jogo de forma integrada. O modelo de jogo adotado deve racionalizar que as zonas em que busco recuperar a bola com maior freqüência devem estar relacionadas com o tipo de organização ofensiva que pretendo utilizar e que a forma como se realizam as transições defensivas e ofensivas permitem o melhor ou pior funcionamento desse sistema integrado de ações que se sucedem sem uma ordem definida. Por não possuir um comportamento linear, o jogador deve ser capaz de interpretar os acontecimentos do jogo e aplicar uma resposta que esteja baseada nos mesmos referenciais que o restante da sua equipe e isso só acontecerá se durante o processo de treinamento os exercícios pelo grupo vivenciados potencializarem esse sentido coletivo.

Referências Bibliográficas

Amieiro, N. (2005) Defesa à Zona no Futebol: Um pretexto para refletir sobre o jogar ... bem, ganhando! Edição do Autor. 2005.

Frade, V. (2002) Apontamentos das aulas de Metodologia Aplicada II, Opção de Futebol. FCDEF-UP. Porto. Não publicado.

Leandro Zago - CIEFuT

segunda-feira, 14 de julho de 2008

O Modelo de Jogo

O conceito de modelo de jogo (MJ) aparece nesse momento muito pertinente nas literaturas buscadas pelos profissionais que estão sempre à procura de evolução sobre questões ligadas aos esportes coletivos e almejam tornar cada vez mais consistente sua filosofia de trabalho. Enquanto no Brasil pouquíssimo material foi produzido sobre o tema, na Europa ele é alvo de discussões há muito tempo, como podemos observar nesse trecho escrito por Teodurescu em 1984, em que o autor considera que o modelo de jogo é uma referência, construída a partir de outras referências de ordem de rendimento superior, que postulam um conjunto de ações individuais e coletivas dos jogadores e da equipe, integradas com o espírito físico e psíquico característico do jogo. Na década de 90, o autor Júlio Garganta escreveu bastante sobre o assunto, devido à relação que o mesmo tem com sua proposta metodológica de ensino para os jogos desportivos coletivos. Recentemente, José Mourinho (2006), afirmou que ter um modelo de jogo definido é o mais importante para uma equipe de futebol, e tal modelo é um conjunto de princípios que dão organização a sua equipe por isso deve ter relevância especial desde o primeiro dia de trabalho. O treinador português e o autor romeno Teodurescu, em publicações com intervalo maior do que vinte anos referem-se ao conceito de MJ com muita proximidade, apesar de utilizarem-se de algumas palavras distintas para descrevê-lo.

O modelo de jogo é o núcleo de toda a periodização tática, sem a definição do modelo torna-se descontextualizado o trabalho sob a perspectiva da periodização tática. O foco nesse novo cenário está na forma de jogar que será construída ao longo da temporada, visando uma regularidade competitiva e evolução constante nos comportamentos da dominante tática para que se atinja o “pico do modelo de jogo” como objetivo do processo. A periodização deve englobar a especificidade do MJ adotado em aspectos cognitivos, físicos, táticos, técnicos e psicológicos, além dos princípios e sub-princípios de jogo que serão aplicados pela equipe nas organizações ofensiva, defensiva e nas transições defesa-ataque e ataque-defesa. Portanto, modelo de jogo não é somente a tática usada pelo treinador, mas sim um conjunto de ações, pensamentos e princípios seguidos pela equipe. Ao elaborar os treinos, deve-se levar em conta o MJ previamente definido, ou seja, o processo de treinamento deve englobar exercícios que seguem o MJ escolhido pelo treinador. E que fique claro que todas as equipes possuem um MJ, independente do método de treino aplicado e do conhecimento do treinador sobre o tema, o que poderá variar é o quão elaborado (ou não) é o MJ que determinada equipe apresenta no campo. Colocar onze jogadores no campo defensivo e “dar chutões” ou jogar realizando uma zona pressionante são dois MJ com um grau de complexidade bem distinto, desde a forma como se operacionalizar um treinamento para construí-los, passando pela assimilação dos atletas, até sua aplicação no jogo.

O treinador, na fase inicial do trabalho deve definir o modelo de jogo da equipe junto com sua comissão técnica, levando em conta sua idéia de jogo, a característica dos jogadores, os princípios de jogo, a organização funcional e a estrutura do clube. O modelo de jogo deve ter objetivos bem definidos e bem claros para todos, para que cheguem a atingir tais metas. Porém, devem saber que esse modelo de jogo pode sofrer ajustes, para que haja um aperfeiçoamento gradativo.

Referências Bibliográficas

Amieiro, N. (2005) Defesa à Zona no Futebol: Um pretexto para refletir sobre o jogar ... bem, ganhando! Edição do Autor. 2005.

Oliveira, B. et al (2006) Mourinho: Porquê tantas vitórias?. Editora Gradiva. 2006.

Teodurescu, L. (1984) Problemas de Teoria e Metodologia nos Jogos Desportivos. Livros Horizonte. 1984

CIEFuT

domingo, 15 de junho de 2008

Conceitos de Pressing

O “futebol de pressing”, assim chamado pelo seu criador, Rinus Michels, consistia de um dispositivo tático cujo objetivo era acuar intensamente o adversário para recuperar a posse de bola e não ceder em nenhum momento a iniciativa de jogo ao mesmo, contando com dois requisitos básico: espírito de luta inquebrantável e excelentes níveis de preparação física. Segundo a definição do próprio Michels, o futebol de pressing era “um sistema de jogo em que todos os jogadores no campo atacam todo o tempo... ainda que não tenham a posse de bola!”

Ao utilizar-se do pressing busca-se tornar o campo pequeno para o adversário, pressionando-o tanto em espaço como em tempo. Prioritariamente, todos os espaços próximos à bola devem ser racionalmente ocupados e as linhas de passe do adversário são suprimidas e este se vê com um reduzido número de possibilidades, tudo isso é claro se o “pressing” for bem realizado e muito bem sistematizado durante o processo de treino.

O “pressing” segundo Amieiro (2005) é uma ação coletiva defensiva de opressão sobre o portador da bola, sendo que esta ação busca diminuir o tempo e espaço de ação do mesmo. A questão coletiva passa a ser primordial nessa ação, pois o estado de pressão imposto ao adversário depende de uma ocupação inteligente e direcionada de todos os espaços necessários para que isso ocorra. Outro ponto importante citado pelo autor é de que o “pressing” não deve ser feito apenas para impedir que o adversário jogue, mas para que sua equipe jogue, por isso esta dever ter estratégias para pressionar e dar seqüência na jogada e não apenas pressionar, roubar a bola e logo em seguida perdê-la, e isso obviamente também deve ser definido durante o processo de treino. A transição ofensiva e defensiva tem plena relação com essa forma do time atuar.

Em se tratando de futebol de alto nível, tem-se recriminado toda forma passiva de jogar e o “pressing” tornou o ato de defender passivamente em um ato agressivo de jogar defensivamente, os espaços então tornaram-se ainda mais escassos. Essas formas de “pressing” têm aspectos físicos específicos e são determinantes nos jogos, pois os jogadores devem resistir durante os noventa minutos aos estímulos da partida e reagir da melhor maneira possível conforme o modelo de jogo proposto pelo treinador.

Consideremos as seguintes variáveis:

- Espaço: refere-se à região ou setor do campo em que a pressão deve iniciar ou ser realizada;

- Tempo: relaciona-se ao momento em que deve-se iniciar a pressão, se na transição defensiva, nos passes para trás do adversário, etc e;

- Referência: diz respeito ao elemento do jogo que orientará a pressão, se a bola, o adversário ou um setor do campo, por exemplo.

As três variáveis acima citadas são essenciais para se compreender o ato de pressionar e o que o norteia. E, independentemente da opção por este ou aquele referencial, a capacidade de exercer pressing, ou seja, de gerar uma situação para o adversário que o obrigue a decidir sob condições com maior dificuldade que o habitual, dependerá do nível de compreensão que o grupo de jogadores que o aplica têm sobre o jogo. Esses conhecimentos sobre a lógica do jogo serão construídos dentro de um processo pedagógico de treino, com complexidade crescente e sempre atuando dentro da zona proximal de conhecimento do grupo de atletas.

Esse conceito foi criado e popularizado pelo treinador holandês e ficou em evidência principalmente após a Copa do Mundo de 1974 devido à excelente campanha que a seleção da Holanda realizou durante aquele mundial. Apresentando um futebol fantástico, inclusive com a denominação de “Carrossel Holandês” pela alta rotatividade de movimentações que a equipe demonstrava em campo, o “pressing” se tornou desde então uma característica de equipes de alto nível, que vêem nessa forma de jogar um meio para controlar e / ou dominar as partidas.

Referências Bibliográficas

Amieiro, N. (2005) Defesa à Zona no Futebol: Um pretexto para refletir sobre o jogar ... bem, ganhando! Edição do Autor. 2005.

CIEFuT

sexta-feira, 23 de maio de 2008

O jogar (pensar) coletivamente

“... o que de mais forte uma equipa pode

ter é jogar como uma equipa.”

(Mourinho, 2003)

Segundo Amieiro (2005), a organização defensiva só conseguirá ser verdadeiramente coletiva se as ações tático-técnicas realizadas por cada um dos onze jogadores forem perspectivadas em função de uma idéia comum, respeitando um referencial coletivo, em que as tarefas individuais dos jogadores se relacionam e regulam entre si. O autor ainda afirma que apenas assim o “todo” (a equipe que se defende) conseguirá ser maior que a soma das partes que o constituem (comportamentos tático-técnicos de cada atleta).

Quanto o autor fala sobre “idéia comum” ou “referencial coletivo” é preciso entender que não está se referindo a automatismos fechados, ou algo já estabelecido de forma estanque, mas a princípios que norteiam a ação coletiva da equipe e por conseqüência as ações individuais dos atletas nela inseridos. Pode-se constatar isso no trecho seguinte da sua frase em que se refere às interações entre jogadores (quando diz “relacionam”) e ao processo de feedback (quando diz “regulam”) que ocorre permanentemente durante as ações coletivas e individuais dos jogadores.

Portanto faz-se necessário construir e definir princípios que balizem os comportamentos coletivos (princípios de jogo), visto que o jogo pelo seu caráter imprevisível não permite ações planejadas em sua plenitude, pois vai sendo construído conforme as respostas que seus jogadores vão oferecendo pontualmente naquelas situações. Respostas essas que surgem da interação dos mesmos com sua equipe, com o adversário, com a posição da bola e de um número muito alto de outras variáveis que estão nele inseridos.

A simples informação não altera comportamentos e estes demoram muito tempo para serem alterados (FRADE, 2004). Cabe ao treinador direcionar esses comportamentos para o modelo de jogo que pretende adotar, através de exercícios com complexidade crescente, sempre atuando na zona proximal de conhecimento do atleta com um objetivo final muito definido. O quão elaborado será o modelo de jogo depende da qualidade com que esse processo será aplicado e do conhecimento que o treinador tem sobre o jogo.

O objetivo é que a equipe apresente respostas coletivas para a maior quantidade possível de situações que estejam presentes nos quatro momentos do jogo: com a bola, sem a bola, transição defesa-ataque e transição ataque-defesa. Nessa proposta uma equipe pode ter a bola, mas, por estar com vantagem no placar, não quer dar profundidade ao jogo e quer defender-se com a posse. Suas movimentações são bem diferentes de quando ela precisa marcar gol. Caso algum(ns) jogador(es) não estejam com os princípios daquele momento assimilados, pode(m) apresentar respostas incongruentes com os objetivos momentâneos da equipe, realizando movimentações para regiões em que a pressão do adversário é mais intensa, aumentando os riscos de perder a bola e não colaborando com a meta coletiva estabelecida para aquela pontual situação, a manutenção da posse de bola simplesmente. E que fique bem claro com esse parágrafo que “estar defendendo” ou “estar atacando” independe de ter ou não a bola, pelo caráter indivisível que o jogo apresenta ao contemplar os quatro momentos anteriormente citados que se manifestam intimamente relacionados.

Os princípios de jogo estão ligados aos hábitos da equipe, que são resultado da interação dos hábitos individuais dos jogadores, portanto aí deve estar focada a intervenção do processo de treino. Para Frade (2002), o hábito é um saber-fazer que se adquire na ação, portando vivenciar os devidos princípios de uma forma hierarquizada e sistematizada é fundamental para que o objetivo final, ou seja, a implantação do modelo de jogo idealizado pelo treinador baseado no contexto em que se encontra, materialize-se em campo de forma condizente com a proposta inicial.

Referências Bibliográficas

Amieiro, N. (2005) Defesa à Zona no Futebol: Um pretexto para refletir sobre o jogar ... bem, ganhando! Edição do Autor. 2005.

Frade, V. (2002) Apontamentos das aulas de Metodologia Aplicada II, Opção de Futebol. FCDEF-UP. Porto. Não publicado.

Frade, V. (2004) Apontamentos das aulas de Metodologia Aplicada II, Opção de Futebol. FCDEF-UP. Porto. Não publicado.

Mourinho, J. (2003) Entrevista ao programa 2ª Parte da SporTV. 14 de maio de 2003.

Leandro Zago

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Reflexões sobre a análise do jogo

Nessa semana o treinador Dorival Júnior fez uma crítica à mídia especializada em futebol após a derrota por 2 a 1 da sua equipe na Arena da Baixada que foi suficiente para que o Coritiba (time deste treinador) conquistasse o título estadual do Paraná. De acordo com o técnico os analistas devem se qualificar mais para ter melhor embasamento durante seus comentários e que passa por essa questão a evolução do futebol brasileiro, visto que, dessa forma chegarão informações de melhor qualidade aos torcedores que consomem esse produto. Realmente passa a ser preocupante esse cenário pelo círculo vicioso que acaba se criando, pois comentaristas limitam-se a falar o que o torcedor entende, com isso os torcedores nunca recebem novas e interessantes informações sobre a leitura do jogo e estabelece-se um nível de mediocridade (no sentido de mediano mesmo) que nunca transcende o atual.

Seguindo essa linha de conduta o treinador acaba sofrendo as conseqüências, pois acaba sempre sendo julgado por pessoas que pouca ou nenhuma informação “tática” tem sobre o jogo, e nessa lista podemos incluir não apenas os torcedores, mas diretores de futebol, presidentes de clubes e narradores esportivos. A leitura paupérrima que a maioria desses citados têm não os permite dar soluções diferentes para problemas diferentes e caem sempre no senso comum, ou quem já não ouviu frases do tipo “agora que foi expulso um jogador do adversário o treinador pode tirar um dos três zagueiros e colocar mais um atacante”, ou “precisa segurar o jogo, pode trocar o atacante por um volante”, “o meia do time A está acabando com o jogo, precisa colar alguém nele” e tantas outras que surgem nas transmissões dos jogos.

Nas transmissões dos Campeonatos Europeus a dificuldade dos especialistas (jornalistas e ex-jogadores) fica evidente quando tentam aplicar uma lógica de solução utilizada no futebol brasileiro (jogar com marcação mista, por exemplo, e todas as suas dinâmicas) ao futebol inglês ou italiano onde se joga marcando por zona e a dinâmica coletiva está totalmente relacionada a essa forma de jogar. Outro dia, um comentarista, ao analisar as dificuldades do Milan (naquele domingo o Milan jogava em uma plataforma 4-4-2 com duas “linhas de 4” marcando por zona e sem o Kaká), disse que o time ressentia de um meia de aproximação e por isso havia uma distância entre a linha média e os dois atacantes. Vejamos, jogando dessa forma que o Milan joga, não há meia de aproximação. Existem sim, dois médios centralizados (também chamados de pivôs defensivos em alguns casos) e dois alas. A distância entre os compartimentos – defesa, linha média e ataque – está relacionada quando em posse de bola a capacidade de ocupação do espaço de jogo de uma forma racional, criando estruturas geométricas que possibilitem a circulação da bola numa velocidade ótima e com possibilidade de mudança de zona sempre que necessário. Assim a equipe criaria linhas de passe no campo ofensivo e seriam possíveis jogadas em profundidade e aproximações em todos os setores. Se isso não ocorrer, uma simples substituição não dará conta de resolver o problema.

A forma de ler o jogo carrega um peso cultural, e a nossa sociedade (brasileira) transfere para o campo a capacidade de definir as coisas individualmente, transformando um jogador em responsável por uma grande vitória ou derrota, ignorando aspectos coletivos. O futebol é um esporte coletivo que engloba ações individuais e coletivas, portanto nenhuma das duas pode ser deixada de lado. Ter os melhores jogadores não é garantia de títulos como vemos todas as temporadas pelo mundo afora, pois a capacidade coletiva que proporciona uma regularidade à equipe, tornando-a muitas vezes independente dos seus grandes craques. Quando conseguirmos discutir um resultado, seja ele uma vitória ou uma derrota, num patamar acima, novos problemas surgirão, porque assim é a vida, mas teremos sido responsáveis por colaborar com a evolução desse esporte que movimenta multidões.

Leandro Zago

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Liga dos Campeões 07/08: Barcelona 0 X 0 Manchester United

Em partida disputada no Camp Nou, Barcelona e Manchester United não marcaram gols e adiaram a decisão para o segundo jogo na Inglaterra. Aos dois minutos de jogo o Manchester teve a seu favor um pênalti depois que a bola bateu na mão do zagueiro Milito. Cristiano Ronaldo bateu para fora desperdiçando uma oportunidade de abrir vantagem para o jogo da volta.

Frank Rijkaard utilizou a plataforma 4-1-3-2 com alternância para a 4-1-2-3 nos ataques posicionais através da abertura de Iniesta como um atacante pelo lado esquerdo. Alex Ferguson montou o Manchester na plataforma 4-4-1-1, marcando na intermediária defensiva. Ambas equipes usaram a marcação híbrida, ou seja, alternando, de acordo com a situação características da marcação individual e zona.

Figura 1 – Barcelona (laranja) sem bola

Mesmo tendo ficado com a posse de bola quase o dobro do tempo do Manchester (64% contra 36%), o Barcelona alterou um pouco sua forma de jogar colocando três jogadores à frente de Touré (5) em seu setor de meio de campo (figura 1). Após a recuperação da bola, Iniesta (8) entrava como terceiro atacante, dando amplitude ao ataque pelo lado esquerdo, fazendo com que a equipe circulasse a bola da maneira que está habituada. Porém, esse desenho (figura 2) não permitia jogadas individuais por esse lado pelas características do atleta, concentrando o jogo espanhol todo em Messi (11) do lado direito até o momento da sua substituição.

Figura 2 – Barcelona buscando a profundidade ofensiva

Pela disposição espacial, podemos observar que dois jogadores do Manchester tinham funções além daquela que é flutuar com a equipe. Evra (6) não acompanhava a flutuação à direita da sua equipe, marcando Messi com proximidade. Tévez (9) aproximava-se de Touré (5) sempre que o Barcelona recuperava a bola, ou marcando individualmente ou fechando linhas de passe para esse jogador. O ala Park (11) quando necessário recuava um pouco ocupando o espaço na linha de defesa deixado pela opção em marcar individualmente Messi.

Ferguson mostrou estar correto nas opções adotadas, pois, foi à Espanha e trouxe um resultado interessante para decidir em casa. O maior volume de jogo do Barcelona não foi traduzido proporcionalmente em reais chances de gols, sendo a melhor oportunidade para marcar o pênalti desperdiçado por Cristiano Ronaldo.

Leandro Zago

terça-feira, 22 de abril de 2008

Periodização Tática e Futebol

"Aspecto particular da programação, que se relaciona
com uma distribuição no tempo, de forma regular,
dos comportamentos tácticos de jogo, individuais
e colectivos, assim como, a subjacente e
progressiva adaptação do jogador e da equipa
a nível técnico, físico, cognitivo e psicológico".
(MOURINHO, 2001)

A definição acima dada pelo treinador português José Mourinho sobre o seu conceito para a periodização contempla o que para ele são os quatro aspectos fundamentais que o treinamento deve abranger de uma forma indissociável. Defende que toda sessão de treino deva ser realizada com bola de forma que o atleta pense no jogo. Para Carvalhal (2003) a primeira preocupação nessa periodização é o jogo, com ênfase em treinos situacionais e em situações de jogo, com o treino físico (ou da dominante física) inserido no mesmo.
Essa forma de periodizar é contrária aos modelos tradicionais, em que as prioridades do treino são outras; em que os aspectos físicos, técnicos, táticos e psicológicos possuem sessões particulares de trabalho, sendo em alguns momentos “integrados” em treinamentos físico-técnicos ou técnico-táticos que apesar da presença da bola não possuem como objetivo central a melhora da qualidade do jogo.
Considerando como epicentro do jogo o aspecto tático, a Periodização Tática (PT) citada pelos treinadores acima tem como referência o Modelo de Jogo Adotado (MJA) e, com isso, os outros aspectos devem estar presentes sempre nas sessões de treinos, pois sem eles o jogo em alta qualidade torna-se fora do alcance. A tática é pensada como aspecto central da construção do treino, de forma que as outras capacidades sejam desenvolvidas por “arrasto”, de forma contextualizada e identificada com a matriz de jogo proposta.
Para isso nas sessões de treino são desenvolvidos exercícios que construam e potencializem a forma de jogar exacerbando algumas situações (princípio metodológico das propensões) que o treinador eleja como prioridade naquela sessão.
Dentro da PT não faz sentido um mesociclo apoiado em microciclos que tenham em sua estrutura perspectivas praticamente idênticas pautadas ou na variação de volumes de carga, ou de prioridades físicas, ou nas pendências fisiológicas. Na perspectiva do MJA, o microciclo segue uma progressão complexa relacionada ao processo e compreensão da lógica do jogo e ao modelo de jogo a se jogar.
A Periodização Tática emerge, na prática competitiva (principalmente em Portugal nesse momento), como uma nova proposta de periodização para os jogos coletivos, respeitando suas características – e nesse caso aprofundando nas particularidades e complexidades do futebol. Surge como alternativa para a periodização tradicional que têm, em grande parte de seus idealizadores, origem em esportes individuais ou com um curto período competitivo. Parte do pressuposto de que esportes coletivos, como o futebol nesse caso, com longos períodos de competição necessitam de regularidade competitiva, não tendo nos “picos de forma” esse objetivo atingido. Os picos do Modelo de Jogo tornam-se as metas a serem buscadas e que, pelos constantes processos de construção do mesmo proporciona um desenvolvimento contínuo.
Para pesquisadores e profissionais da Educação Física, PT e MJA não são nenhuma novidade, longe disso. Autores clássicos estudados em boas faculdades de Educação Física no Brasil propõem discussões nessa perspectiva há mais de 20 anos. A novidade talvez seja vê-la realmente na prática desportiva do futebol de alto nível.
A PT mostra uma preocupação com a qualidade do jogo e rompe com conceitos cartesianos fincados em nossa sociedade. Seus conceitos, idéias e perspectivas passaram agora pelos portões das universidades, rumo a batalha contra os achismos que ainda imperam no futebol (ou por tradicionalismos ou pela falta de conhecimento científico).

Referências Bibliográficas
Carvalhal, C. (2003), "Periodização táctica. A coerência entre o exercício de treino e o modelo de jogo adotado" Documento de apoio das II Jornadas técnicas de futebol da U.T.A.D
Mourinho, J. (2001), "Programação e periodização do treino em futebol" in palestra realizada na ESEL, no âmbito da disciplina de POAEF.

Leandro Zago - CIEFuT