1. Jogando como equipe
“... o que de mais forte uma equipa
pode ter é jogar como uma equipa.”
(Mourinho, 2003)
Segundo
Amieiro (2005), a organização defensiva só conseguirá ser verdadeiramente
coletiva se as ações tático - técnicas realizadas por cada um dos onze
jogadores forem perspectivadas em função de uma idéia comum, respeitando um
referencial coletivo, em que as tarefas individuais dos jogadores se relacionam
e regulam entre si. O autor ainda afirma que apenas assim o “todo” (a equipe
que se defende) conseguirá ser maior que a soma das partes que o constituem
(comportamentos tático-técnicos de cada atleta).
Quanto
o autor fala sobre “idéia comum” ou “referencial coletivo” é preciso entender
que não está se referindo a automatismos fechados, ou algo já estabelecido de
forma estanque, mas a princípios que norteiam a ação coletiva da equipe e por
conseqüência as ações individuais dos atletas nela inseridos. Pode-se constatar
isso no trecho seguinte da sua frase em que se refere às interações entre
jogadores (quando diz “relacionam”) e ao processo de feedback (quando diz
“regulam”) que ocorre permanentemente durante as ações coletivas e individuais
dos jogadores.
Portanto
faz-se necessário construir e definir princípios que balizem os comportamentos
coletivos (princípios de jogo), visto que o jogo pelo seu caráter imprevisível
não permite ações planejadas em sua plenitude, pois vai sendo construído
conforme as respostas que seus jogadores vão oferecendo pontualmente naquelas
situações. Respostas essas que surgem da interação dos mesmos com sua equipe,
com o adversário, com a posição da bola e de um número muito alto de outras
variáveis que estão nele inseridos.
2. Construindo Referenciais
(Princípios de Jogo) comuns
A
simples informação não altera comportamentos e estes demoram muito tempo para
serem alterados (FRADE, 2004). Cabe ao treinador direcionar esses
comportamentos para o modelo de jogo que pretende adotar, através de exercícios
com complexidade crescente, sempre atuando na zona proximal de conhecimento do
atleta com um objetivo final muito definido. O quão elaborado será o modelo de
jogo depende da qualidade com que esse processo será aplicado e do conhecimento
que o treinador tem sobre o jogo.
O
objetivo é que a equipe apresente respostas coletivas para a maior quantidade
possível de situações que estejam presentes nos quatro momentos do jogo: com a
bola, sem a bola, transição defesa – ataque e transição ataque-defesa. Nessa
proposta uma equipe pode ter a bola, mas, por estar com vantagem no placar, não
quer dar profundidade ao jogo e quer defender-se com a posse. Suas
movimentações são bem diferentes de quando ela precisa marcar gol. Caso
algum(ns) jogador(es) não estejam com os princípios daquele momento
assimilados, pode(m) apresentar respostas incongruentes com os objetivos
momentâneos da equipe, realizando movimentações para regiões em que a pressão
do adversário é mais intensa, aumentando os riscos de perder a bola e não
colaborando com a meta coletiva estabelecida para aquela pontual situação, a
manutenção da posse de bola simplesmente. E que fique bem claro com esse
parágrafo que “estar defendendo” ou “estar atacando” independe de ter ou não a
bola, pelo caráter indivisível que o jogo apresenta ao contemplar os quatro
momentos anteriormente citados que se manifestam intimamente relacionados.
Os
princípios de jogo estão ligados aos hábitos da equipe, que são resultado da
interação dos hábitos individuais dos jogadores, portanto aí deve estar focada
a intervenção do processo de treino. Para Frade (2002), o hábito é um
saber-fazer que se adquire na ação, portando vivenciar os devidos princípios de
uma forma hierarquizada e sistematizada é fundamental para que o objetivo final,
ou seja, a implantação do modelo de jogo idealizado pelo treinador baseado no
contexto em que se encontra, materialize-se em campo de forma condizente com a
proposta inicial.
3.
Ataque e defesa: onde um começa e o outro termina?
É
quase que fato consumado no futebol entender o processo ofensivo (ataque) o
momento em que a própria equipe tem a posse da bola e o processo defensivo
(defesa) o momento em que a posse de bola é do adversário.
E
nas transições, quem está atacando e quem está defendendo?
Simples,
na transição defesa – ataque (ofensiva) eu estou atacando e na transição
ataque-defesa (defensiva) meu adversário ataca.
Ainda
bem que, para os profissionais do futebol, os jogos coletivos são muito mais
complexos que essa singela interpretação. Senão qualquer torcedor entenderia o
jogo tão bem quanto um treinador de equipe de alto nível.
Os
processos ofensivos e defensivos estão tão intrinsecamente conectados que seria
impensável analisá-los e treiná-los de forma isolada.
Imagine
a seguinte situação:
Sua
equipe está vencendo a partida e adota como estratégia manter a posse de bola
(prioritariamente no campo de defesa pela ocupação espacial do adversário) com
o objetivo de “apenas” esperar o tempo terminar. A equipe adversária realiza
uma marcação pressão para recuperar a bola rapidamente e tentar realizar uma
finalização a gol.
Pergunta:
Quem está defendendo? E atacando?
Essa
situação muito comum nos jogos que presenciamos mostra que a posse de bola por
si só não determina a atitude de uma equipe. E a ausência dele também não.
E
respondendo a pergunta do título desse artigo, podemos entender que os
processos ofensivos e defensivos acontecem simultânea e constantemente dentro
do jogo e isso deve ser levado em conta na elaboração de um treinamento tático.
4.
Uma visão limitada da marcação
É
muito comum ouvirmos os treinadores falarem em sistemas de marcação, ou como a
equipe deve anular o oponente, e que em determinada partida ele optará por tal
sistema de jogo por considerá-lo mais eficiente para marcar adversário e
garantir um resultado. E a questão que aparece nesse momento é se todos eles
estão perspectivando a marcação com os mesmos princípios. Muito normal um
treinador de terceira divisão vê-la de forma diferente de um de primeira
divisão, é uma questão de nível de elaboração quanto à proposta de jogo. Também
devem apresentar diferenças um treinador que adota marcação mista e um outro
que prefira marcar por zona, já que ambas possuem na sua essência diferentes
referenciais. Alguns autores escreveram sobre o tema.
Lópes
Ramos (1995) diz que a marcação é uma ação tática dos jogadores da equipe que
está sem a bola realizam sobre seus adversários, evitando o contato desses com
a bola ou de o fazer nas piores condições possíveis. É realizada sobre todos os
adversários com ações diferentes sobre o portador da bola, sempre com o
marcador entre o adversário e a própria baliza, orientado em relação ao seu
par. A marcação deve ser tanto mais forte quanto mais próxima ao gol defendido.
Pacheco (2001) define marcação como uma ação tática em que os defensores
aproximam dos atacantes, colocando-se entre eles, a bola e o gol defendido,
impedindo a progressão, o passe e a finalização, buscando a recuperação da
bola.
Reparem
que essa duas definições para marcação colocam o adversário como referência
primária para a marcação. O objetivo principal (e provavelmente único) é evitar
qualquer ação do mesmo. E mostra-se como único porque não apresenta nenhuma
relação com a forma de jogar da equipe que está marcando, que apenas quer
impedir o jogo do outro time. Não apresenta porque todas as ações citadas pelos
referidos autores são individuais. O time marcador corre atrás do time que
joga, deixando de impor sua própria forma de jogar, desprezando uma ocupação
espacial racional. Considera a marcação com um momento estanque, dissociado dos
quatro grandes momentos do jogo (sem bola, transição defesa-ataque, com bola,
transição ataque-defesa).
Quando
“Lópes Ramos” escreve “a marcação deve ser tanto mais forte quanto mais próxima
ao gol defendido” essa proposta torna-se ainda mais limitada, pois desconsidera
a possibilidade de se realizar pressão sobre o adversário em zonas mais
adiantadas. Em nenhum momento o sistema de coberturas é colocado como uma
possibilidade, afinal, os marcadores nunca saberão onde estarão seus
companheiros de equipe que nesse momento estão na dependência do “seu par”.
Sob
essa perspectiva, o jogo passa a ser visto de uma forma fragmentada onde suas
partes não se relacionam nem se interagem. E, ao assistir uma partida de
futebol em qualquer nível podemos constatar que os quatro momentos citados
anteriormente ocorrem o tempo todo, em sucessão e com conseqüências um do
outro. O treino deve considerar essa interação, porque querendo ou não o
treinador, o jogo será construído dessa forma.
5.
O que é, afinal, defender (jogar) por zona?
Vemos
claramente no futebol mundial atual que as grandes equipes em sua maioria jogam
marcando por zona seus adversários. Equipes com grandes jogadores que
descobriram nessa forma de jogar um caminho para potencializar seus talentos e
fazer do jogo coletivo sua identidade. Se esse fato realmente acontece, também
é verdade que ainda existem treinadores que a ignoram e justificam-se apontando
as limitações desse tipo de marcação.
Bauer
(1994) caracterizou a “defesa por zona” assim: 1) a cada jogador é entregue um
determinado espaço (zona), pelo qual será responsável durante toda a defesa, 2)
quando a equipe perde a bola, cada jogador deve deslocar-se para trás, para a
sua zona, 3) na sua zona, o jogador deve marcar diretamente qualquer adversário
que nela entre, com ou sem bola, 4) se o adversário muda para outra zona,
passará automaticamente a ser da responsabilidade de outro defesa, 5) todos os
jogadores da equipe devem deslocar-se em direção à bola e, 6) o portador da
bola deverá ser atacado por dois ou mais jogadores por vez.
Essa
definição do referido autor, apesar de considerar algumas características da
defesa por zona, aproxima-se mais de uma marcação mista, onde cada jogador
marca o adversário que estiver na sua zona. E também apresenta algumas
incoerências, pois, como vou garantir que a marcação será duplicada sobre o
portador da bola se meus jogadores tem como referência a movimentação
adversária? Tudo bem, será dentro de sua zona de atuação, mas isso já será
suficiente para impedir uma eficiência do sistema de coberturas.
E
por falar em referência, aí reside uma brutal distância entre marcar por zona e
as outras formas de marcação que visam o encaixe no adversário. A grande
referência da defesa por zona são os espaços e fechar como equipe os espaços
mais valiosos. Mas onde são os espaços mais valiosos? Aqueles próximos ao local
em que a bola se encontra naquele exato momento e que varia constantemente,
tornando a gestão coletiva do espaço e do tempo fundamentais. Se a gestão é
coletiva, minha equipe deve atuar como um bloco coeso, fechando linhas de passe
em progressão, que flutua dependente da circulação de bola do adversário,
gerando pressão espaço-temporal no portador da bola da equipe adversária
através da ocupação racional dos espaços. Assim obteremos superioridade
numérica, pois vejam, que em nenhum momento a movimentação do adversário
interferiu no sistema de coberturas que se sucedem a cada variação de ação tática-técnica
de ambas equipes.
Melhor
que “defender por zona” é falarmos em “jogar por zona” porque expressa com mais
clareza o real significado dos objetivos implícitos nessa filosofia. Quando
jogo marcando dessa forma, a recuperação da bola deve ocorrer de forma coletiva
com total relação com o momento ofensivo. Aliás, dividir o momento “sem bola”
do momento “com bola” e ignorar suas respectivas transições é um perigo tão
grande como não considerarmos o “jogo por zona” das equipes bem sucedidas do
futebol mundial. Ou, talvez, os perigos não sejam maiores um do que o outro,
mas o mesmo.
Referências Bibliográficas
Amieiro,
N. (2005) Defesa à Zona no Futebol: Um
pretexto para refletir sobre o jogar ... bem, ganhando! Edição do Autor.
2005.
BAUER,
G. (1994). Fútbol. Entrenamiento de la
técnica, la táctica y la condición física. Editorial Hispano Européia.
Barcelona.
Frade,
V. (2002) Apontamentos das aulas de
Metodologia Aplicada II, Opção de Futebol. FCDEF-UP. Porto. Não publicado.
Frade,
V. (2004) Apontamentos das aulas de
Metodologia Aplicada II, Opção de Futebol. FCDEF-UP. Porto. Não publicado.
LÓPEZ
RAMOS, A. (1995). El marcaje: Fundamentos
y trabajo práctico. Fútbol: Cadernos Técnicos, Nº 1, abril de 1995. 3-14.
Mourinho,
J. (2003) Entrevista ao programa <2 parte=""> da SporTV. 14 de maio de
2003. 2>
PACHECO,
R. (2001). O Ensino do Futebol de 7 – Um
jogo de iniciação ao futebol de 11. Edição do autor.
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