terça-feira, 11 de março de 2014

Do Modelo de Jogo ao Jogo: uma proposta conceitual


1. O que é Modelo de Jogo ?

O conceito de modelo de jogo (MJ) aparece nesse momento muito pertinente nas literaturas buscadas pelos profissionais que estão sempre à procura de evolução sobre questões ligadas aos esportes coletivos e almejam tornar cada vez mais consistente sua filosofia de trabalho. Enquanto no Brasil pouquíssimo material foi produzido sobre o tema, na Europa ele é alvo de discussões há muito tempo, como podemos observar nesse trecho escrito por Teodurescu em 1984, em que o autor considera que “o modelo de jogo é uma referência, construída a partir de outras referências de ordem de rendimento superior, que postulam um conjunto de ações individuais e coletivas dos jogadores e da equipe, integradas com o espírito físico e psíquico característico do jogo”. Na década de 90, o autor Júlio Garganta escreveu bastante sobre o assunto, devido à relação que o mesmo tem com sua proposta metodológica de ensino para os jogos desportivos coletivos. A partir do pressuposto que o processo de ensino / aprendizagem deve pautar-se pela eficácia, isto é, pela capacidade de produzir os efeitos pretendidos, torna-se imprescindível a existência de referenciais que, para além de possibilitarem a definição dos objetivos, orientem a seleção dos meios e métodos mais adequados para alcançá-los (Garganta, 1985). Complementando este conceito, defende que o processo de ensino do Futebol deve reportar-se a um conjunto de princípios ou idéias (modelos), que expressam os aspectos a que se atribui maior importância e que se pretende ver cumpridos.

2. Definições de Modelo de Jogo na Universidade e no Campo

Recentemente, José Mourinho (2006), afirmou que ter um modelo de jogo definido é o mais importante para uma equipe de futebol, e tal modelo é um conjunto de princípios que dão organização a sua equipe por isso deve ter relevância especial desde o primeiro dia de trabalho. O treinador português define MJ como a direção que faz com que os jogadores possam nos quatro momentos do jogo (veremos mais à frente este tema), pensar sob a mesma perspectiva.
Para o treinador Rafa Benitez (2007) o MJ é a finalidade a que se destinam os treinamentos para dar uma identidade de jogo à equipe. Leitão (2009) define MJ como a orientação (norte) que permite a todos os jogadores de uma equipe ter a mesma leitura do jogo, de forma organizada em todos os momentos do jogo.
O treinadores e os autores, em publicações com intervalos maiores ou menores de tempo referem-se ao conceito de MJ com muita proximidade, apesar de utilizam-se de algumas palavras distintas para descrevê-lo, de acordo com o enfoque com que cada um tem sobre o mesmo tema.


3. O Conteúdo do Modelo de Jogo

Segundo Bayer (1986), os princípios de jogo representam a fonte da ação, definem as propriedades invariáveis sobre as quais se realizarão as estruturas fundamentais do desenrolar dos acontecimentos.  Os princípios de jogo aplicados pelo jogador e pela equipe devem manter uma congruência muito grande entre eles e com o Modelo de Jogo pretendido para a equipe. Castelo (1996) afirma que o MJ compreende a evolução dinâmica e criativa do jogo ao longo do seu processo de desenvolvimento. Durante a evolução do jogo, vão se alternando as exigências de resposta a cada situação problema, tornando imprescindível coordenação entre as resposta dos jogadores e suas equipes para que os padrões coletivos comecem a dar identidade ao sistema (equipe).

Figura 1 – Grandes Princípios segundo Vítor Frade (2002)
Sem aprofundar-se na discussão em relação às bolas paradas (se é que podemos assim chamar) se pertencem ou não a um dos quatro primeiros grupos (figura 1), pode-se observar que o Professor Vítor Frade (2002) dividiu toda a estrutura acontecimental do jogo em quatro grandes momentos, como já havia sido citado por José Mourinho. Para o autor, todas as ações do jogo estão contidas em um desses quatro momentos, por ele denominados de Grandes Princípios. O nome Grandes Princípios vem em decorrência de, dentro de cada deles, existirem os respectivos Princípios de Jogo, que contém os seus respectivos Sub-Princípios, onde se encontram os Sub-Princípios dos Sub-Princípios e assim sucessivamente. Todos subjugados ao MJ e respeitando uma hierarquia de acordo com o nível em que se encontra.        

4. O Processo de Construção de um Modelo de Jogo

O modelo de jogo é o núcleo de toda a periodização tática, sem a definição do modelo torna-se descontextualizado o trabalho sob a perspectiva da periodização tática. O foco nesse novo cenário está na forma de jogar que será construída ao longo da temporada, visando uma regularidade competitiva e evolução constante nos comportamentos da dominante tática para que se atinja o “pico do modelo de jogo” como objetivo do processo.

Figura 2 – Do Modelo Idealizado ao Modelo Concreto

A periodização deve englobar a especificidade do MJ adotado em aspectos cognitivos, físicos, táticos, técnicos e psicológicos, além dos princípios e sub-princípios de jogo que serão aplicados pela equipe nas organizações ofensiva, defensiva e nas transições defesa - ataque e ataque-defesa. A modelação (figura 2) é um processo que acontece quando o Modelo Idealizado, e que guia o processo de treinamento, vai se concretizando em comportamentos apresentados de forma individual e coletiva com uma regularidade que permite tornar a equipe um modelo único.
Construir um MJ a partir das metodologias tradicionais soa incoerente, porque de um lado estão as teorias pautadas na complexidade, integração (MJ) e de outro, processos fragmentadores, característica comum aos métodos de treinamento atualmente utilizados em que tática, técnica, preparação física e emocional são trabalhadas de maneira isolada.
 
5. Ter ou não um Modelo de Jogo é uma opção ?

Portanto, modelo de jogo não é somente a tática usada pelo treinador, mas sim um conjunto de ações, pensamentos e princípios seguidos pela equipe. Ao elaborar os treinos, deve-se levar em conta o MJ previamente definido, ou seja, o processo de treinamento deve englobar exercícios que seguem o MJ escolhido pelo treinador. E que fique claro que todas as equipes possuem um MJ, independente do método de treino aplicado e do conhecimento do treinador sobre o tema, o que poderá variar é o quão elaborado (ou não) é o MJ que determinada equipe apresenta no campo. Colocar onze jogadores no campo defensivo e “dar chutões” ou jogar realizando uma zona pressionante são dois MJ com um grau de complexidade bem distinto, desde a forma como se operacionalizar um treinamento para construí-los, passando pela assimilação dos atletas, até sua aplicação no jogo.

O treinador, na fase inicial do trabalho deve definir o modelo de jogo da equipe junto com sua comissão técnica, levando em conta sua idéia de jogo, a característica dos jogadores, os princípios de jogo, a organização funcional e a estrutura do clube. O modelo de jogo deve ter objetivos bem definidos e bem claros para todos, para que cheguem a atingir tais metas. Porém, devem saber que esse modelo de jogo pode sofrer ajustes, para que haja um aperfeiçoamento gradativo.   

Referências Bibliográficas

Amieiro, N. (2005) Defesa à Zona no Futebol: Um pretexto para refletir sobre o jogar ... bem, ganhando! Edição do Autor.

Bayer, C (1986) La enseñanza de los juegos desportivos colectivos. Hispano Europea. Barcelona.

Frade, V. (2002) Apontamentos das aulas de Metodologia Aplicada II, Opção de Futebol. FCDEF-UP. Porto. Não publicado.

Oliveira, B. et al (2006) Mourinho: Porquê tantas vitórias?. Editora Gradiva.

Teodurescu, L. (1984) Problemas de Teoria e Metodologia nos Jogos Desportivos. Livros Horizonte.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns pelo artigo. Sucesso! Um abraço, Luiz/Curitiba/PR