1. Estruturando o Espaço
de Jogo
Considerada
por Júlio Garganta (1997) uma competência essencial e inerente aos Jogos
Desportivos Coletivos (JDC), a estruturação do espaço de jogo emerge como uma componente
fundamental no processo de construção de uma equipe desde o nível individual,
manifestada na compreensão e ocupação de espaços mais interessantes por parte
do atleta a cada situação problema que o jogo apresenta e na gestão coletiva do
espaço de jogo, onde a equipe estrutura-se em campo com o intuito de obter
vantagem espacial e numérica pelo maior tempo possível nas mais variadas zonas
do campo.
A
ocupação do espaço não acontece de forma aleatória, ela tem (ou pelo menos deve
ter) um significado para o jogador e para a equipe que se auto-organiza o tempo
todo em função dos objetivos do jogo. A Lógica do Jogo de Futebol (Leitão,
2004) é comum a todos os jogos e imutável, os caminhos para cumpri-la é que
podem exigir meios diferentes e, o que apresenta uma enorme variação, é a forma
como cada equipe se organiza em nível estratégico para vencer partidas e quais
as referências que dão sustentação a essa organização estratégica.
Portanto,
a criação de referências que norteará as decisões dos jogadores para que reajam
em função de algo que seja comum a todos, possibilitando o jogo em equipe de
forma concreta. Essa criação (seria construção?) de referências se dá a partir
das vivências dirigidas que o treinador proporciona à equipe através dos
treinamentos e de um encadeamento lógico entre os conteúdos que farão parte do
dia-a-dia da equipe.
2. O Jogo Coletivo através das
Referências
Segundo
Amieiro (2005), a organização defensiva só conseguirá ser verdadeiramente
coletiva se as ações tático - técnicas realizadas por cada um dos onze
jogadores forem perspectivadas em função de uma idéia comum, respeitando um
referencial coletivo, em que as tarefas individuais dos jogadores se relacionam
e regulam entre si. O autor ainda afirma que apenas assim o “todo” (a equipe
que se defende) conseguirá ser maior que a soma das partes que o constituem
(comportamentos tático-técnicos de cada atleta).
Quanto
o autor fala sobre “idéia comum” ou “referencial coletivo” é preciso entender
que não está se referindo a automatismos fechados, ou algo já estabelecido de
forma estanque, mas a princípios que norteiam a ação coletiva da equipe e por
conseqüência as ações individuais dos atletas nela inseridos. Pode-se constatar
isso no trecho seguinte da sua frase em que se refere às interações entre
jogadores (quando diz “relacionam”) e ao processo de feedback (quando diz
“regulam”) que ocorre permanentemente durante as ações coletivas e individuais
dos jogadores.
Portanto
faz-se necessário construir e definir princípios que balizem os comportamentos
coletivos (princípios de jogo), visto que o jogo pelo seu caráter imprevisível
não permite ações planejadas em sua plenitude, pois vai sendo construído
conforme as respostas que seus jogadores vão oferecendo pontualmente naquelas situações.
Respostas essas que surgem da interação dos mesmos com sua equipe, com o
adversário, com a posição da bola e de um número muito alto de outras variáveis
que estão nele inseridos.
3. O Processo de Construção das
Referências
A
simples informação não altera comportamentos e estes demoram muito tempo para
serem alterados (FRADE, 2004). Cabe ao treinador direcionar esses
comportamentos para o modelo de jogo que pretende adotar, através de exercícios
com complexidade crescente, sempre atuando na zona proximal de conhecimento do
atleta com um objetivo final muito definido. O quão elaborado será o modelo de
jogo depende da qualidade com que esse processo será aplicado e do conhecimento
que o treinador tem sobre o jogo.
A
opção por este ou aquele conjunto de referências dependerá de fatores como o
Modelo de Jogo idealizado pelo treinador, o nível em que se encontra o
conhecimento da equipe sobre o jogo, a integração entre estes dois fatores
anteriormente citados, entre outros.
O
objetivo é que a equipe apresente respostas coletivas para a maior quantidade
possível de situações que estejam presentes nos quatro momentos do jogo: com a
bola, sem a bola, transição defesa - ataque e transição ataque - defesa. Nessa
proposta uma equipe pode ter a bola, mas, por estar com vantagem no placar, não
quer dar profundidade ao jogo e quer defender-se com a posse. Suas
movimentações são bem diferentes de quando ela precisa marcar gol. Os
princípios de jogo estão ligados aos hábitos da equipe, que são resultado da
interação dos hábitos individuais dos jogadores, portanto aí deve estar focada
a intervenção do processo de treino. Para Frade (2002), o hábito é um
saber-fazer que se adquire na ação, portando vivenciar os devidos princípios de
uma forma hierarquizada e sistematizada é fundamental para que o objetivo
final, ou seja, a implantação do modelo de jogo idealizado pelo treinador
baseado no contexto em que se encontra, materialize-se em campo de forma
condizente com a proposta inicial.
4. Algumas Referências do Espaço
Figura 1 – Plataforma Tática 1-4-4-2 Zonal (vermelha) |
Pode-se
observar (figura 1) que a equipe que está sem bola (vermelha) respeita algumas
referências para a ocupação do espaço quando sem bola. Algumas delas são:
-
a posição da bola: independente da posição ocupada pela equipe azul quando em
posse da bola, a equipe vermelha irá se comportar em função de seus próprios
jogadores;
-
lado fraco: a faixa contrária à bola fica desocupada momentaneamente para que
mais jogadores ocupem uma área entre a bola e o gol (flutuação e compactação
como princípios estruturais sendo realizadas nesse caso);
-
quadrantes: a ocupação dos quadrantes se dá de forma equilibrada, porém
prioritária (espaços de maior valor) permitindo criar superioridade numérica se
necessário;
-
linhas de marcação: a orientação para a estruturação da marcação por zona é a
formação de linhas que permitem maior equilíbrio horizontal.
5. Integrando as Referências
É
importante frisar que as referências para a estruturação do espaço sem bola
devem estar relacionadas com as referências para a estruturação do espaço com
bola e com todas as outras referências (operacionais, por exemplo) de forma que
interajam potencializando o efeito uma da outra e nunca atuando de maneira
concorrente. Outro detalhe que vale a pena ressaltar é que essas referências
citadas acima estão baseadas numa marcação por zona e, caso seja feita a opção
por uma marcação individual ou mista deve-se buscar outras referências. Marcar
em função da posição da bola (zona) para alguns treinadores é considerado
desvantajoso pela grande velocidade que a mesma pode atingir, porém, ao optar
pela marcação individual aumenta-se o número de referências (onze), sendo que
essas (os jogadores) buscam a desestruturação da equipe que os marca.
Caso
algum(ns) jogador(es) não estejam com os princípios daquele momento
assimilados, pode(m) apresentar respostas incongruentes com os objetivos
momentâneos da equipe, realizando movimentações para regiões em que a pressão
do adversário é mais intensa, aumentando os riscos de perder a bola e não
colaborando com a meta coletiva estabelecida para aquela pontual situação, a
manutenção da posse de bola simplesmente. E que fique bem claro com esse
parágrafo que “estar defendendo” ou “estar atacando” independe de ter ou não a
bola, pelo caráter indivisível que o jogo apresenta ao contemplar os quatro
momentos anteriormente citados que se manifestam intimamente relacionados.
Independente
das escolhas do treinador por esta ou aquela forma de jogar, só com referências
bem definidas que o caráter coletivo da equipe será manifestado.
Referências Bibliográficas
Amieiro,
N. (2005) Defesa à Zona no Futebol: Um
pretexto para refletir sobre o jogar ... bem, ganhando! Edição do Autor.
2005.
Frade,
V. (2002) Apontamentos das aulas de
Metodologia Aplicada II, Opção de Futebol. FCDEF-UP. Porto. Não publicado.
Frade,
V. (2004) Apontamentos das aulas de
Metodologia Aplicada II, Opção de Futebol. FCDEF-UP. Porto. Não publicado.
Garganta,
J. M. (1997) Modelação Tática do Jogo de
Futebol: estudo da organização da fase ofensiva em equipes de alto rendimento.
150 f .
Tese (Doutorado). Faculdade de Ciência do Desporto e Educação Física,
Universidade do Porto, Porto.
Leitão,
R. A. A. (2004) Futebol: análises
qualitativas e quantitativas para verificação e modulação de padrões e sistemas
complexos de jogo. UNICAMP, Campinas.
Mourinho,
J. (2003) Entrevista ao programa <2 parte=""> da SporTV. 14 de maio de
2003.2>
Um comentário:
Muito bom! Estou lendo o site e gostando muito!
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